A série de trabalhos intitulada Transcendência e Percepção (2017) é resultante da produção de um conjunto de obras tridimensionais feitas com chapas de aço cortadas, dobradas e pintadas com tinta automotiva, durante o primeiro semestre de 2017, as quais eu selecionei cinco peças. Elas serão expostas numa das paredes do andar superior da Unidade XVIII (Galeria 13), numa parede medindo 6,53 metros de comprimento, por 2,87 metros de altura.
As cinco peças são trabalhos autônomos, não as considero como uma instalação. Mas entendo que elas possuem uma relação de interligação entre cada uma delas, por uma faixa branca, que as relaciona na série de mesmo nome; Transcendência & Percepção.
A decisão em adicionar cor resultou num outro ponto de ligação, pois foi usada tinta automotiva em cada uma das peças com o objetivo de que todas tivessem um grau de qualidade semelhante ao que é dado aos automóveis. Outro ponto que liga cada uma das peças é – além do material ser o aço galvanizado – o movimento de ondulação que é possível ser percebido em cada uma das obras, sugerindo uma curva, uma linha sinuosa. Sendo estas, penso eu, questões recorrentes em minhas buscas artísticas: ondulações, linhas, curvas e planos sinuosos.
A razão da escolha do título e subtítulo ocorreu pelos diversos significados que o termo transcendência tem, sendo um deles a capacidade do ser humano de transpor certas barreiras, tornando-se superior a algumas circunstâncias.
Assim como alguns artistas que passaram por fases, épocas, estilos entre outras etapas, para chegarem a um desejado resultado pessoal, eu também venho percorrendo um caminho que se iniciou na figuração, desde a cópia de desenhos em quadrinhos de super-heróis, passando, posteriormente pela gravura e escultura, tendo em cada uma dessas duas técnicas, registros de figuração e em seguida abstração.
No que diz respeito ao subtítulo; Percepção, este foi encontrado também após o resultado do trabalho prático, ou seja, dos objetos que foram escolhidos para o presente artigo de Conclusão de Curso.
A intenção é que, tanto Transcendência, como Percepção, devem ser entendidas tanto no sentido próprio de cada qual, como figurativamente. Tanto pela situação de reflexão de tudo aquilo que estiver posicionado em seu alcance, ou de outra forma, tudo aquilo que se coloque à sua frente, pela percepção de quem as estivesse observando.
Neste sentido, a percepção ligada ao espaço e a obra, propriamente dita, convidam o espectador a melhor analisar a obra de arte.
Seguindo no percurso pelo qual venho caminhando, transcrevi aqui trecho do livro de David Anfam, Expressionismo Abstrato, sobre o percurso artístico de David Smith, artista pertencente ao grupo dos artistas do Expressionismo Abstrato, momento na história da arte que precede o minimalismo, como segue:
“[…] suas primeiras pinturas cubistas curvilíneas, que nasceram como colagens, transformaram-se em baixos-relevos e, por fim, tornaram-se objetos tridimensionais. Smith observou: “Aos poucos a tela se tornou a base, e a pintura era uma escultura”. Depois de assimilar um pot-pourri de influências, que incluíam as dos mais recentes movimentos artísticos europeus (principalmente por meio de revistas) e a da escultura africana, Smith deu continuidade à sua formação modernista […]” (ANFAM, 2006, p. 41)
De fato, assim como descrito acima, durante meu percurso, vim modificando minha forma de expressão, desde o desenho até os trabalhos tridimensionais. Contudo, cada um dos trabalhos que já fiz, contribuiu para que pudesse explorar outras formas de expressão artística.
Tomando como exemplo o percurso citado acima, seguem exemplos do percurso pelo qual venho caminhando desde há muito tempo, apontando a necessidade de procurar a fiel representação do corpo humano ou rosto de quem fosse escolhido para representar.
(Fig. 01)
Renato Moraes
Claudia Schiffer, c.1993
Conté sobre papel
31,5 x 44 cm
(Fig. 02)
Renato Moraes
Estudo a partir das Banhistas de Renoir, c. 1993
Conté sobre Papel
46 x 30 cm
(Fig. 03)
Renato Moraes
Estudo Corpo Feminino, c. 1995
Conté sobre Papel
44 x 31,5 cm
Na época em que realizei estes desenhos, tinha como mote, simplesmente a representação fiel do corpo humano, e na maioria dos desenhos era o corpo feminino que sempre me instigou pela sutileza e suavidade. Procurava imagens em revistas, e tendo escolhido o rosto ou corpo, debruçava-me por um bom tempo a desenhá-los.
Não tinha um artista de preferência. Eram as imagens, independente de quem as tivesse feito ou fotografado.
Logo que comecei a realizar gravuras, já no bacharelado em Artes Visuais, ainda persistiu a referência à silhueta do corpo humano ou animal na execução, tanto das gravuras como das esculturas, assim como no título de cada qual.
É possível perceber que, nos casos das figuras 03 e 04, começou uma ligeira abstração, ao me deter em recortes, detalhes da representação de linhas e contornos para sugerir um corpo humano feminino.
Nestes dois casos em particular, tanto as gravuras em díptico (Fig. 04), como as esculturas em aço galvanizado abaixo (Fig. 05), também sugerem erotismo, pois representam dois corpos e as obras que podem ser posicionadas da maneira que se quiser.
Renato Moraes
Femmes Couchées, Série Femmes et Corps, 2015
Díptico. Monotipia. Papel Hahnemühle sobre Carborundum em cartão
59 x 117 cm (cada)
(Fig. 05)
Renato Moraes
Femmes Couchées, Série Femmes et Corps, 2015
Aço Galvanizado com Pintura Automotiva
21 x 31 x 35 cm
É importante notar os traços de união entre as obras das figuras 04 e 05, no que diz respeito tanto ao material utilizado da fatura de ambas, como na ondulação tanto encontrada na gravura como na escultura. No que diz respeito à ligação quanto ao material, em ambos foram usados o minério, sendo a gravura com o carborundum, ou Carbeto de Sílicio que é um composto químico de silício e carbono e que também é encontrado na natureza em forma de mineral raro chamado moissanite. Portanto um mineral, assim como o aço usado na obra da figura 05.
Em algumas esculturas, como a da Figura 04 e 05, havia ainda a necessidade de uma aproximação entre o objeto realizado e alguma forma humana ou animal, pela qual eu pudesse fazer uma ligação.
No caso da escultura, realizada em aço corten (Fig. 05), – e neste caso, também resultante de minerais, assim como o carborundum e o aço galvanizado, – o título Mamma Frog foi encontrado por pura abstração, pois as primeiras esculturas neste formato, foram realizadas como trabalho para a disciplina escultura do bacharelado em Artes Visuais, em pequenos formatos (Fig. 07), e esta (Fig. 05), em grande formato mais se parecia com uma figura materna das pequenas esculturas.
(Fig. 06)
Renato Moraes
Mamma Frog, 2015
Aço Corten
880 x 850 x 170 cm
(Fig. 07)
Renato Moraes
Kinder Frogs, 2015
aço galvanizado pintado
24 x 40 x 35 cm
Neste ponto, é interessante a transcrição das palavras de Donald Judd em seu texto Objetos Específicos, encontrado no livro organizado por Glória Ferreira e Cecília Cotrim; Escritos de artistas anos 60 e 70, no qual Judd diz que:
“[…] No trabalho tridimensional, a coisa toda é feita segundo propósitos complexos, e esses não estão dispersos, mas são afirmados por uma forma única. Não é necessário para um trabalho ter um monte de coisas para olhar, para comparar, para analisar uma por uma, para contemplar. A coisa como um todo, sua qualidade como um todo, é o que é interessante. As coisas principais estão sozinhas e são mais interessantes, claras e potentes. Elas não são diluídas por um formato herdado, variações de uma forma, contrastes brandos e partes e áreas para conectar. […]” (JUDD, 2006, p. 103)
Fazendo uma relação do texto de Judd com a escultura acima (Fig. 05), e o caminho que venho percorrendo no sentido de resumir ao máximo a representação de uma figura, até o ponto no qual não preciso mais assim fazê-lo, pode-se dizer que a escultura acima, tem forma única, dispensa adornos, e está sozinha, apresentando-se de forma interessante, clara e potente.
Seguindo no percurso de minha produção artística, vieram as gravuras. Contudo, as primeiras também foram representativas de imagens, mas logo em seguida, surgiram as abstrações feitas pela técnica de calcogravura, assim como as obras das figuras 08 e 09.
Mais uma vez é possível fazer a ligação do minério como base de onde tirei as imagens, como nas suaves ondulações encontradas em ambas imagens persistindo a sugestão de linhas sinuosas e contornos, independentemente do material e suporte utilizados.
(Fig. 08)
Renato Moraes
Stone, 2015
Calcogravura
60,3 x 70,5 cm
Portanto, pode-se notar a sinuosidade das linhas na fatura da obra resultado de uma mão gestual em ambas obras (Fig. 08 e 09).
(Fig. 09)
Renato Moraes
Sublime II, 2015
Calcogravura
70,5 x 60,3 cm
Outra obra que já apresenta uma separação com o mundo real é o livro de artista abaixo (Figs. 10 & 11), na qual também são encontrados pontos de conexão em comum com as obras já apresentadas, quais sejam; a sinuosidade dos planos tanto das páginas de aço corten, como nas páginas de couro com seus planos curvados pela ação da gravidade. Outro ponto de ligação entre as obas das figuras 04, 05, 06, 07, 08 e 09 é a utilização do mineral tanto na fatura, como no suporte para a obtenção do resultado.
(Fig. 10)
Renato Moraes
Desejo, 2016
Livro de Artista em Aço Corten, Arame Recozido & Couro
20 x 15 cm
(Fig. 11) (Detalhe)
Renato Moraes
Desejo, 2016
Livro de Artista em Aço Corten, Arame Recozido & Couro
20 x 15 cm
Dando prosseguimento ao percurso que venho traçando, outro passo que foi dado, ainda com relação ao corpo humano, foi a simplificação das linhas, como apresentado pela Fig. 11 abaixo, de meu caderno de estudo, onde busquei extrair o mínimo possível para que a ideia do corpo pudesse ser representada.
(Fig. 12)
Renato Moraes
Caderno de anotações, 2017
Conté sobre papel
21 x 13 cm
(Fig. 13)
Renato Moraes
Souplesse, 2017
Aço Galvanizado
33 X 64 cm
No intuito de trazer à discussão questões sobre as obras apresentadas, objetos do presente TCC caso se tratem de pintura, escultura ou objetos específicos, acredito ser oportuno a citação de Clement Greenberg, em seu texto: A Escultura moderna e seu passado pictórico, de 1952. Na história da arte muito se discute sobre a relação de união e divórcio entre a pintura e a escultura:
“A intimidade que existe atualmente entre a escultura e a pintura não é em si nova. No passado, elas já intervieram uma no desenvolvimento da outra muitas vezes. Ora uma, ora outra, foi líder a mais importante e a mais influente, e nenhuma das duas artes conseguiu se manter livre da influência da outra por muito tempo. A escultura parece ter tido a ascendência nos primeiros estágios de qualquer tradição naturalista, e o pictórico nos últimos estágios, mas em cada caso a arte predominante continuou em certa medida a se basear em noções próprias da outra, e ao mesmo tempo resistir a elas.” (GREENBERG, 2013, p. 185)
Portanto, conclui-se, a partir deste entendimento, que não se trata de pintura, restando a dúvida se são trabalhos de escultura ou objetos específicos. Neste ponto cumpre mencionar trecho que reflete os pensamentos de Donald Judd, criador da respectiva categorização em seu texto Objetos Específicos, como segue:
“A metade, ou mais, dos melhores novos trabalhos que se têm produzido nos últimos anos não tem sido nem pintura nem escultura. Frequentemente, eles têm se relacionado, de maneira próxima ou distante, a uma ou a outra. Os trabalhos são variados, e dentre eles muito do que não é nem pintura nem escultura também é variado. Mas há algumas coisas que ocorrem quase em comum. […]” (JUDD, 1965, p. 96)
Neste ponto é importante analisar as características do trabalho, que, por sua vez, distanciam-se da pintura por estarem fora do plano da parede e se assemelham a trabalhos tridimensionais, ficando entre esculturas e objetos específicos.
No que diz respeito a estes termos, deve-se notar que, mesmo que estas obras tenham características de obras minimalistas, as minhas peças não foram baseadas nas premissas deste movimento. Vim a observar estas semelhanças durante a pesquisa de contextualização histórica e conceitual que ocorreu depois de ter idealizado as minhas obras, portanto esta relação com os minimalistas não foi estabelecida a priori, mas posteriormente à realização dos trabalhos.
Da mesma forma que pode se ver características próprias do Minimalismo, podem-se ver características que as distancie das mesmas, como por exemplo, a serialidade numa mesma obra minimalista (Fig. 17). Sendo que no meu trabalho elas são obras independentes (Fig. 14 e 15).
(Fig. 14)
Renato Moraes
Transcendência & Percepção em Prata, 2017
Aço Galvanizado com pintura automotiva
18 X 21 cm
(Fig. 15)
Renato Moraes
Transcendência & Percepção em Vinho, 2017
Aço Galvanizado com pintura automotiva
16 X 118 cm
Outro exemplo disto é o fato de encontrarmos objetos, que não foram categorizados como esculturas, em movimentos ou estilos na história da arte, como é o caso do objeto mencionado – no já citado livro Surrealismo, de Fiona Bradley – Café da manhã de pele, de Meret Oppenheim:
(Fig. 16)
Meret Oppenheim
Café da manhã com pele, 1936
Xícara, pires e colher revestidos de pele
7,3 x 23,7 cm
Contudo, outro ponto que desassocia as obras apresentadas daquelas pertencentes ao grupo dos artistas do Minimalismo é o fato daqueles usualmente utilizarem planos rígidos, com formas geométricas ortogonais, em oposição as apresentadas no presente TCC, que, por sua vez, são onduladas e de aparência maleáveis, de onde também se pode construir uma linha de pensamento baseado nas características dos povos anglo-saxões, no caso daqueles artistas, em oposição às minhas características, originárias dos povos latino-americanos, muito bem conhecidas por sua maleabilidade.
Um exemplo desta maleabilidade pode ser observada nas linhas sinuosas de Oscar Niemeyer. Seus desenhos são constituídos por linhas curvas (que segundo depoimentos do próprio Niemeyer), muito se devem à referência ao corpo da mulher brasileira e dos morros e montes de nossa paisagem tropical.
(Fig. 17) (Fig.18)
Oscar Niemeyer Oscar Niemeyer
Sem título (Mulher e cavalo), 2003 Sem Título (Mulher IV), 2007
65 x 95,5 cm 50 x 70 cm
Outro exemplo é a artista Tomie Ohtake, que, apesar ser de origem oriental, criou raízes no Brasil, e em diversos de seus trabalhos é possível encontrar a sinuosidade em seus traços, como por exemplo, na obra instalada na Avenida Paulista, em 2015, uma escultura em aço carbono, pintada com tinta automotiva vermelha e prata, medindo 8,5 metros de altura, com peso de sete toneladas.
(Fig. 19)
Tomie Ohtake
Avenida Paulista, 2015
Aço carbono com tinta automotiva
8,5 metros
No que diz respeito a uma classificação e a uma proximidade ou distanciamento das obras apresentadas ao Minimalismo, cumpre ressaltar, de início, o que segue:
“(…) O exemplo óbvio do trabalho de arte que é meramente um objeto e ao mesmo tempo mais do que um objeto é o readymade, cujo status como arte é produzido por um ato nominal de deslocamento. O problema para Fried (e talvez para a estética em geral) no caso de readymade é que a “arte” é conferida a um objeto apenas contingencialmente. Em virtude de uma mudança de contexto. Não há nenhum “aspecto essencial” em que um urinol seja mais de que um objeto.(…)” (BATCHELOR, 2004, p. 65)
A citação acima foi retirada do livro Minimalismo, de David Batchelor, quando escreve sobre as várias maneiras de uma obra de arte distinguir-se do reino dos objetos cotidianos.
De acordo com o que diz Anne Cauquelin, em seu livro Arte Contemporânea:
“Vejamos o caso do minimalismo: apagar o conteúdo representativo, reduzir a forma visível à sua mais simples expressão, apagar o vestígio do autor, tudo isso vem diretamente da atitude duchampiana. Mas, com o minimalismo, a letra, a importância da linguagem também se apagam e se mantêm discretamente por trás do processo. Formas geométricas, dessas que são encontradas diariamente prontas para serem usadas, como caixas, aparadores, simples bastões, espetos, são usadas para esse fim. Notadamente por Judd. […]” (CAUQUELIN, 2005, p. 138)
Em paralelo à citação acima, e como passo seguinte, é interessante traçar as relações com os materiais por mim utilizados, com o que ocorreu no universo das artes até o momento, como é o caso do material utilizado; o aço galvanizado.
Uma citação feita por Anne Cauquelin a partir da publicação intitulado Art Minimal II, do Museu de Arte Contemporânea de Bordeaux, relata que:
“Os trabalhos de Stella, o primeiro, segundo Leo Castelli, a trabalhar as formas minimalistas de objetos fabricados – “nada é feito à mão, tudo é produzido industrialmente”, “redução das formas a uma simplicidade tão total quanto possível”, os de Robert Ryman, assim como os de Ad Reinhardt, de Carl Andre, de Sol LeWitt ou de Brice Marden testemunham este fato. (…)” (CAUQUELIN, 2005, p. 139)
No que diz respeito à tinta, neste caso, a escolha foi pela tinta automotiva, ou seja, materiais industriais, muito comuns aos trabalhos realizados por artistas pertencentes ao Minimalismo, ocorrido após o Expressionismo Abstrato. Mas também muito comum na produção contemporânea de escultura.
Artistas como Donald Judd relatam características de seus trabalhos com objetos, descrevendo-os e explicando as razões pelas quais são o que são.
Neste ponto, no que tange à cor aplicada às obras, objeto do presente TCC, é de valia transcrever a seguinte citação:
“[…] A cor é algo que o trabalho de Flavin compartilha com o de Judd. Os dois usam cores disponíveis no comércio – isto é, para ambos a cor é uma espécie de readymade bem como um monocromo -, mas a cor de Flavin é linear e atmosférica, e não planar e local. […]” (BATCHELOR, 1999, p. 51)
A citação acima foi retirada do livro de David Batchelor, em seu livro Minimalismo, quando relatava o trabalho de Dan Flavin, retratando a escolha das cores por aquelas já encontradas no comércio.
As cores usadas, são as regularmente encontradas na indústria, resultantes do processo industrial, escolha que, por sua vez, representa a adaptação do artista pelo momento que se encontra historicamente.
Assim como ocorria entre os artistas do Minimalismo, – onde a cor usada era obtida no comércio em geral, em oposição ao extremo ocorrido por Yves Klein que criou sua própria tonalidade de azul, que por sua vez recebeu seu nome – as cores usadas nas obras por mim apresentadas ao presente TCC, foram resultantes de tintas automotivas.
A escolha das cores foi baseada na importância a que se dá quando é aplicada em automóveis, importância esta que também poderia ser dado às obras. E, como se sabe, o tratamento que se dá aos carros é de uma importância elevadíssima, dado o caráter quase sexual a que são tratados, muitas vezes, considerados como parte do corpo humano.
Neste ponto vale transcrever trecho da obra de Rosalind Krauss; Caminhos da escultura moderna, como segue:
“(…) A vibrante tinta vermelha que cobre sua superfície reforça a coerência material da escultura vista como objeto físico; a cor unifica os elementos do tralho, declarando serem todos eles partes da mesma ciosa. Ao mesmo tempo, porém, a cor atende ao aspecto do trabalho que funciona como imagem. (…)” (KRAUSS, 1998, p. 231)
As cores usadas, foram o verde safári (Fig. 20), que se assemelha a um marrom com tons esverdeados, o vermelho forte (Fig. 19), um amarelo bem aberto (Fig. 21), o vinho foi outra cor escolhida para uma das obras (Fig. 15), além do prata (Fig. 14), cor próxima á cor dos materiais escolhidos; aço galvanizado, bem como o vermelho intenso (Fig. 19) e o preto (Fig. 18). Sendo todas cores usadas nos automóveis, de quinze anos para cá.
No entanto, a qualidade da pintura foi minuciosamente pensada, procurei escolher um local onde se realizam pinturas automotivas, devido à qualidade das tintas como do processo pelo qual uma peça ou um carro passam para que estejam prontas.
Donald Judd também ressalta a relação que a cor tem em obras associadas ao movimento Minimalista em seu texto Objetos Específicos no supracitado livro; Escritos de Artista, como segue:
“[…] A tinta a óleo e a tela não têm a mesma força que as tintas comerciais e as cores e superfícies dos materiais, especialmente se os materiais são usados em três dimensões. Óleo e a tela são familiares e, assim como o plano retangular, possuem uma certa qualidade e possuem limites. Tal qualidade é especialmente identificada com a arte. […]” (JUDD, 2006, p. 100)
No tocante à percepção e, portanto, ao efeito de reflexão, encontrado em todas as peças apresentadas, o motivo era o de refletir tudo aquilo que estivesse em seu alcance, ou de outra forma, tudo aquilo que estivesse à sua frente ou quem estivesse as observando, como uma forma de reflexão, literalmente ou filosoficamente.
Ou seja, o resultado obtido na aplicação de tinta automotiva nas peças de aço galvanizado, foi a possibilidade de se poder entrar em cada uma das peças que compõem o trabalho, ao se ter a sua imagem refletida na superfície polida das peças. Cada tinta foi escolhida para que pudesse ter a função de refletir o que nela ficasse à frente. Seja outra peça, uma parede ou uma pessoa.
Neste caso, cabe tão-somente aquele que a observa inferir suas próprias elucubrações.
No que se refere às características extrínsecas do trabalho, vale novamente pegar emprestada mais uma característica do Minimalismo, sem, no entanto, fincar raízes, qual seja; a Auto Referência.
Muito embora eu tenha usado processos e materiais da indústria para executar as peças, estes não se assemelham aos readymades pelo fato destes serem objetos já prontos (como o próprio nome indica), geralmente ressignificados, em oposição aos meus, que foram fabricados a partir do meu projeto prévio.
No presente caso, as placas de aço galvanizado usadas para criar as obras não faziam parte de nenhum objeto, como uma cadeira, banco ou outro qualquer. A este assunto é oportuno transcrever novamente, trecho da obra de Anne Cauquelin, Arte Contemporânea:
“[…] O artista plástico retorna a seu trabalho com as formas. Ele renuncia desde logo à não-opticidade, para construir arquiteturas visíveis que se expressam por si, estabelecendo as regras de sua percepção. […]” (CAUQUELIN, 2005, p. 139)
Penso que as obras aqui apresentadas, têm significado próprio, isto é, dispensam qualquer referência a que se possa fazer e não têm qualquer vínculo com nenhuma forma humana ou de qualquer objeto, como é o caso da Fig. 10.
Emprestando novamente características dos minimalistas quanto à não relação entre as obras, compre citar dois trechos de livro de Rosalind Krauss em Caminhos da escultura Moderna, como seguem:
“(…) Por outro lado, ”uma coisa depois da outra” parece o transcurso dos dias, que simplesmente se sucedem um ao outro sem que nada lhes tenha conferido uma forma ou uma direção, sem que sejam habitados, vividos ou imbuídos de significado. (…)” (KRAUSS, 1998, p. 298)
E segue dizendo:
“[…] A ambição do minimalismo, portanto, era a relocação às origens, do significado de uma escultura para o exterior, não mais modelando sua estrutura na privacidade do espaço psicológico, mas sim na natureza convencional, pública, do que poderíamos denominar espaço cultural. […]” (KRAUSS, 1998, p. 322)
No que tange a autonomia, cada uma das obras apresentadas a este TCC tem a característica de serem únicas, e a serialidade se apresenta na repetição do tema em unidades também autônomas. E este é mais um ponto de diferença entre as obras de artistas ligados ao Minimalismo, onde a serialidade se encontrava em cada obra, como é o caso da obra abaixo, de Donald Judd.
(Fig. 17)
Donald Judd
Sem Título, 1960
Cobre, 10 unidades, 9 polegadas de intervalo
(Fig.18)
Renato Moraes, 2017
Transcendência & Percepção em Preto
Aço Galvanizado com pintura automotiva
31 X 138 cm
(Fig. 19)
Renato Moraes, 2017
Transcendência & Percepção em Vermelho
Aço Galvanizado com pintura automotiva
22 X 122 cm
(Fig. 20)
Renato Moraes, 2017
Transcendência & Percepção em Verde
Aço Galvanizado com pintura automotiva
23 X 76 cm
(Fig. 21)
Renato Moraes, 2017
Transcendência & Percepção em Amarelo
Aço Galvanizado com pintura automotiva
51 X 100,5 cm
Portanto, as obras apresentadas, embora tenham características possivelmente associadas ao Minimalismo, não são minimalistas ou pertencentes ao estilo. São trabalhos tridimensionais, elaboradas com materiais industrializados, nos quais foram usadas tintas automotivas. São peças únicas, tridimensionais e desprovidas de qualquer associação com corpo ou qualquer outra imagem a que se faça referência.
Outro detalhe importante no tocante à disposição das obras no espaço expositivo é frisar que não estão dispostas com o objetivo de criar uma composição, pois, como já fora dito acima, elas são independentes – e, muito embora façam parte de uma mesma série, com detalhes já apresentados, não são relacionais. Neste sentido cumpre transcrever trecho da entrevista entre Donald Judd, Frank Stella, por Bruce Glasser, em Escritos de Artista Anos 60/70, em que Judd comenta sobre o assunto de composição:
“(…) sempre vai haver alguma coisa no trabalho de alguém que já existe há muito tempo, mas o fato da organização composicional não ser importante é bem novo. Composição é, obviamente, muito importante para Vasarely, mas tudo o que me interessa é ter um trabalho que seja interessante para mim como um todo. Não acho que haja nenhum malabarismo que se possa fazer com uma composição de modo a torna-la mais interessante com relação às partes. (…)” (FERREIRA, 2006, p. 127)
Somente depois que estavam prontas, fui apresentado ao texto de Donald Judd, Objetos Específicos já mencionado anteriormente nesse trabalho, no qual este artista detalha as características de uma forma nova – a época em que foi escrito, em 1965 – de expressão artística.
Ao terminar de ler o artigo de Judd, percebi que ele estava praticamente descrevendo o trabalho que realizei, e que fio difícil não associar o texto com as características das obras que apresento.
Considerações Finais
Portanto, as obras que fazem parte do presente TCC, poderiam ser consideradas como Objetos Específicos por terem muitas características semelhantes aquelas descritas por Judd.
Contudo, mais importante do que classificá-las, é, através da percepção, adquirida, por sua vez, pela contemplação de cada uma delas, entender a transcendência por que passei para chegar ao ponto de sublimação da abstração, o isolamento de qualquer associação de cada uma dessas obras de arte.
As abstrações escultóricas representam um novo caminho que estou trilhando, e pretendo continuar. Contudo, só o tempo e a sequencia dos trabalhos é que poderão indicar a real direção que meus trabalhos seguirão.
Referências:
ANFAM, David. Expressionismo Abstrato. São Paulo: Martins Fontes, 2013.
BATCHELOR, David. Minimalismo. São Paulo: Cosac Naify Edições, 2001.
BRADLEY, Fiona. Surrealismo. São Paulo: Cosac & Naify Edições, 2001.
CAUQUELIN, Anne. Arte Contemporânea: Uma introdução. São Paulo: Martins Fontes, 2005. Coleção Todas as Artes.
FERREIRA, Gloria; COTRIM, Cecilia. Escritos de Artistas: Anos 60/70. Rio de Janeiro: Zahar, 2006.
GREENBERG, Clement. Arte e Cultura: Ensaios críticos. São Paulo: Cosac Naify, 2013.
MARLEAU-PONTY, Maurice. O Visível e o Invisível. São Paulo: Perspectiva, 2014.
KRAUSS, Rosalind E. Caminhos da Escultura Moderna. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
Imagens:
DUCHAMP, Marcel: https://www.moma.org/collection/works/81631?locale=pt
JUDD, Donald. https://www.guggenheim.org/artwork/1741
OPPENHEIM, Meret: https://www.moma.org/calendar/exhibitions/959?locale=pt
NIEMEYER, Oscar: http://www.evandrocarneiroleiloes.com/109485?artistId=108194
OTHAKE, Tomie: http://www.institutotomieohtake.org.br/tomie_ohtake/interna/av-paulista